Olho terrível e mão certeira

Jorge Coli

As obras de Fábio Magalhães fascinam. Seu fascínio repousa sobre um prodígio de artifício.

É aqui, do artifício, que brota o mistério. Grandes telas, executadas com uma atenção rara e sustentada, oferecem aos olhos, à sugestão tátil, uma superfície perfeitamente lisa. A dúvida impõe-se então, imediatamente. Trata-se de fotografia ou pintura?

O espanto cresce quando a pintura se confirma, pintura a óleo, a mais rigorosa que se pode imaginar. Pintura que obedece à verdade de cada detalhe, inserindo-o num grande projeto sintético. Nada, nessas telas impiedosas, parece ter sido deixado ao acaso.

A síntese da obra opera num real muito além do real, que se serve do ilusório, do trompe-l’oeil como o instrumento da meditação pictórica. A palavra meditação não deve ser entendida como metáfora ou generalidade. Ela se encontra, essencial, nos processos genéticos da criação. O autor conta que, para chegar às telas poderosas, cria primeiro uma cena, verdadeira performance, que é fotografada. Toma três dessas fotos e as reúne, transfigurando-as graças à pintura.

A pintura vence, portanto, já que a performance é efêmera, e as fotos desaparecem, destruídas, ou mandadas para um arquivo inaccessível. Tudo se resolve em pura pintura, portadora de paradoxos muito angustiantes.

As escolhas foram feitas na primeira etapa, ou seja, no início da criação. Elas determinam temas corpóreos, orgânicos, cristalizados em pureza implacável. Nada foge ao olho terrível do artista, que, uma vez o projeto decidido, recusa-se a escolher. Nada escapa também à mão certeira, incapaz de concessões.

A epiderme lisa e transparente do plástico figura, muitas vezes, como cúmplice da violência definitiva e limpa. Não existe qualquer sensação de tempo, de atmosfera, de espontâneo. É a violência exposta como em ordenada vitrine, congelada por um frio de laboratório, ampliada, trazida para o primeiro plano eliminando referências espaciais. Essa violência construída e elaborada por etapas torna-se a metafísica de si própria, ontologia da carne torturada.

Tal processo em que a fantasia e a imaginação explodem no princípio para serem submetidas depois a um rigor disciplinar, não é sem lembrar a ortodoxia dos pintores neoclássicos, suas tensões e suas veemências.

Pelo tratamento ordenado e nítido, pela recusa da desordem sanguinolenta, são telas que fazem também pensar no Tiradentes de Pedro Américo. Esta obra superior foi retomada, glosada, citada por vários artistas contemporâneos, dentre os mais conhecidos e ilustres. Fábio Magalhães não faz referência a ela: de modo involuntário, pela convergência de concepção e de espírito, é a sua pintura que, na verdade, pode ser comparada, e posta no mesmo nível, tão alto.

Fábio Magalhães produz o ascetismo da violência corpórea, cujo despojamento visual nutre-se de uma curiosa vida interna (essa estranha vida da arte que habita também o Cristo Morto de Mantegna. Como se vê, o meu entusiasmo não hesita diante das referências mais excelsas).

Nas artes de hoje há todo um grande setor que se submete à figuração mais exigente e exata. É inevitável pensar as telas de Fábio Magalhães como inseridas nessa corrente atual. Mas suas obras encontram-se para além de qualquer tendência, já que atingem inquietações profundas, secretas, desesperadas.

Terrible eye and accurate hand

Jorge Coli

 

Fábio Magalhães´s art pieces fascinate everyone. His fascination relies on a prodigy of stratagem.

It is here, from the stratagem, that mystery flows. Huge canvases , executed with rare and supported attention, offer our eyes, in a somewhat touchy suggestion, a flawlessly smooth surface. Doubt poses then, immediately. After all, is it photography or painting?

This amazement grows as the painting gets confirmed, oil painting, the most demanding that one may ever think of. Painting that obeys the truth of every detail, bringing it into a big synthetic project. Nothing, on these merciless canvases, seems to have been left at random.

The synthesis of this work operates in a reality much beyond reality itself, which makes use of what is deceptive, of tromp- l´oeil as an instrument of pictorial meditation. The word meditation should not be understood as a metaphore or general stuff. It is, essential, in the genetics processes of creation. The author says that, in order to get to the powerful canvases, he first sets a scene, a true performance, that is photographed. He chooses three of these photographs and puts them together, transforming them thanks to painting.

Painting wins, therefore, because the performance is ephemeral, and the photographs disappear, destroyed, or sent to an inaccessible file. Everything gets a solution in pure painting, full of very anguishing contrasts.

The choices were made during the first phase, i.e., in the beginning of the creation. They are about bodily, organic themes, crystallized in unquestionable purity. Nothing escapes from the terrible eye of the artist, who, as long as he decides the project, he refuses to choose. Also, nothing escapes from his accurate hand, which is unable to make concessions.

The smooth and the transparent skin works out fine, sometimes, as a partner of definite and clean violence. There isn´t any sensation of time, atmosphere, spontaneous. It is violence exposed as if in an organized shop window, frozen by a cold laboratory, enlarged, brought to the first plan eliminating spatial references. This violence constructed and elaborated through phases becomes metaphysics of itself, ontology of tortured flesh.

Such a process in which fantasy and imagination explode in the beginning in order for them to be treated with a disciplinary severity, it is not without remembering the orthodoxy of the neoclassic painters, their tensions and their vehemences.

Due to the meticulous and sharp treatment, the refusal of the bloody disorder, they are canvases that make us think of Tiradentes by Pedro Américo. This superior art was revisited, tackled, mentioned by various contemporary artists, among the best known and the most important ones.

Fábio Magalhães doesn´t refer to this art: in an unvoluntary way, through merge of conception and spirit, it is his painting way that, as a matter of fact, can be compared, and put on the same level, a so high level.

Fábio Magalhães produces the asceticism of bodily violence, whose visual loot feeds itself with curious internal life (this strange life of art that also resides in The Dead Christ by Mantegna. As you all can see, my enthusiasm doesn´t hesitate at the most important references).

In today´s arts there is a whole big sector that subjects to the most demanding and exact figure. It´s unavoidable to think of Fábio Magalhães´s canvases inserted in this current reality. However, his art pieces are to be thought beyond any trends, as they reach deep, secret, desperate disturbances.