As obras de Fábio Magalhães fascinam. Seu fascínio repousa sobre um prodígio de artifício.
É aqui, do artifício, que brota o mistério. Grandes telas, executadas com uma atenção rara e sustentada, oferecem aos olhos, à sugestão tátil, uma superfície perfeitamente lisa. A dúvida impõe-se então, imediatamente. Trata-se de fotografia ou pintura?
O espanto cresce quando a pintura se confirma, pintura a óleo, a mais rigorosa que se pode imaginar. Pintura que obedece à verdade de cada detalhe, inserindo-o num grande projeto sintético. Nada, nessas telas impiedosas, parece ter sido deixado ao acaso.
A síntese da obra opera num real muito além do real, que se serve do ilusório, do trompe-l’oeil como o instrumento da meditação pictórica. A palavra meditação não deve ser entendida como metáfora ou generalidade. Ela se encontra, essencial, nos processos genéticos da criação. O autor conta que, para chegar às telas poderosas, cria primeiro uma cena, verdadeira performance, que é fotografada. Toma três dessas fotos e as reúne, transfigurando-as graças à pintura.
A pintura vence, portanto, já que a performance é efêmera, e as fotos desaparecem, destruídas, ou mandadas para um arquivo inaccessível. Tudo se resolve em pura pintura, portadora de paradoxos muito angustiantes.
As escolhas foram feitas na primeira etapa, ou seja, no início da criação. Elas determinam temas corpóreos, orgânicos, cristalizados em pureza implacável. Nada foge ao olho terrível do artista, que, uma vez o projeto decidido, recusa-se a escolher. Nada escapa também à mão certeira, incapaz de concessões.
A epiderme lisa e transparente do plástico figura, muitas vezes, como cúmplice da violência definitiva e limpa. Não existe qualquer sensação de tempo, de atmosfera, de espontâneo. É a violência exposta como em ordenada vitrine, congelada por um frio de laboratório, ampliada, trazida para o primeiro plano eliminando referências espaciais. Essa violência construída e elaborada por etapas torna-se a metafísica de si própria, ontologia da carne torturada.
Tal processo em que a fantasia e a imaginação explodem no princípio para serem submetidas depois a um rigor disciplinar, não é sem lembrar a ortodoxia dos pintores neoclássicos, suas tensões e suas veemências.
Pelo tratamento ordenado e nítido, pela recusa da desordem sanguinolenta, são telas que fazem também pensar no Tiradentes de Pedro Américo. Esta obra superior foi retomada, glosada, citada por vários artistas contemporâneos, dentre os mais conhecidos e ilustres. Fábio Magalhães não faz referência a ela: de modo involuntário, pela convergência de concepção e de espírito, é a sua pintura que, na verdade, pode ser comparada, e posta no mesmo nível, tão alto.
Fábio Magalhães produz o ascetismo da violência corpórea, cujo despojamento visual nutre-se de uma curiosa vida interna (essa estranha vida da arte que habita também o Cristo Morto de Mantegna. Como se vê, o meu entusiasmo não hesita diante das referências mais excelsas).
Nas artes de hoje há todo um grande setor que se submete à figuração mais exigente e exata. É inevitável pensar as telas de Fábio Magalhães como inseridas nessa corrente atual. Mas suas obras encontram-se para além de qualquer tendência, já que atingem inquietações profundas, secretas, desesperadas.